Sementes para uma tradição cananéia: o panteão cananeu na Wicca

setembro 8, 2019by João Batista0

Apresentação 

Algumas pesquisas arqueológicas demonstram a existência de uma deusa ou de no mínimo três casais de deuses no Israel antigo, constituindo nas raízes pagãs  do cristianismo.  No entanto, ainda é desconhecido a existência deste culto no âmbito da bruxaria moderna que se caracteriza pelo resgate do culto a deusa. No entanto, em 2009, Tess Dawson iniciou em Chigago, Ilinois, a religião Natib Qadish  que visa resgatar este culto cananeu, podendo constituir em fonte para novas reconstruções, principalmente no âmbito do neopaganismo e da bruxaria moderna. A bruxaria moderna e contemporânea se caracteriza pelo culto a natureza na forma de uma deusa, pela realização de um conjunto de rituais onde se celebra as estações do ano denominado de Sabbats, sintetizados em algo chamado de roda do ano e ainda, na observação de um código ético que possui a liberdade limitada pelo mal que se possa fazer a terceiros na seguinte frase “Faça o que quiseres desde que não prejudique a nada nem a ninguém”. Neste sentido, este artigo tem como objetivo apresentar a possibilidade do culto a Aysherah no âmbito da bruxaria moderna e de maneira mais específica, marginalmente acenar para a possibilidade de um reconstrucionismo cananeu no âmbito da Wicca. Para isto apresentarei: a) A deusa Aysherah; b) O altar e a evocação e c) outros deuses do panteão cananeu. Em outra oportunidade será apresentado a ascensão e decadência do culto a deusa na antiguidade e rituais menores envolvendo os usos mágicos do livro dos Salmos . Pelo fato ter sido escrito para Yaweh, embora num contexto não-pagão, e devido a seu grande potencial mágico, acreditamos que este livro possa ser utilizado em rituais menores envolvendo o deus Yaweh e El.    

Aysherah 

A presença, o surgimento de deuses masculinos é tardia. A princípio, por mais de 30.000 anos, ou seja, maior parte da sua existência, a humanidade cultuou uma deusa. Portanto, o culto a uma deusa seria o caso normal e o culto a um deus, o caso especial. E à medida que o patriarcado vai se firmando a deusa passa a ocupar um posição secundária até ser totalmente proibida e demonizada. Esta mudança ocorre a partir do estabelecimento do patriarcado, onde emergem deuses masculinos, que na maioria dos casos eram dominadores, violentos e irascíveis. A partir daí, aparecem aos pares e com a ascensão do patriarcado, as deusas e seu culto são destruídos e demonizados. Algo similar aconteceu em Canaã com a deusa Aysherah que passou a ter um consorte chamado Yaweh, posteriormente passou a ser  vista como inimiga do mesmo e seu culto proibido e demonizado pelos sacerdotes e poderes políticos vigentes da época. E atualmente poucos conhecem as origens pagãs do cristianismo e outras religiões abramânicas, corrompidas por interesses nacionalistas e conservadores. Com a proibição do culto a Aysherah, este culto se torna subterrâneo, assim como foi com o culto a outras deusas. Talvez, a demonização das deusas seja reflexo das mudanças pelas quais passam a humanidade tendo o feminino no sagrado substituído pelo sagrado no masculino. Enfim, quem lê a Bíblia ou se liga a alguma tradição cristã tem a impressão que Yahweh sempre esteve só e talvez nunca tenha se perguntado a respeito desse assunto. No entanto, nem sempre foi assim. De acordo com descobertas arqueológicas, antes da ascensão do monoteísmo, Yahweh fazia parte de um contexto politeísta e possuía uma consorte chamada Ayshera.

o culto da Deusa Árvore Asherah realizava-se, principalmente, em torno de uma árvore natural ou estilizada, ou seja, de um poste sagrado que podia estar ao lado de um altar seu ou de uma outra divindade, inclusive YHWH. Porém, seu culto foi realizado, de preferência, debaixo de uma árvore natural, nos chamados ‘lugares altos’, santuários ao ar vivo no topo das colinas e montanhas. Na maioria do tempo, uma imagem ou símbolo de Asherah estava também presente dentro do próprio templo de Jerusalém (Ottermann, 2005:.49).

Ana Luísa Alves Cordeiro, Bacharel em Teologia pela Universidade Católica de Goiás, em seu artigo “Asherah: A deusa proibida” tem como objetivo “re-imaginar” Asherah a partir de uma análise crítica ao patriarcado por meio dos textos bíblicos, reconstruindo a memória da deusa a partir dos dados arqueológicos e identificando na literatura bíblica a relação conflituosa que se estabelece com ela. Segundo Ana Luisa, “re-imaginar o poder divino como deusa tem importantes conseqüências psicológicas e políticas”, como caminho de desconstrução do pensamento que naturaliza a dominação masculina. O culto à deusa era exercido tanto por homens como por mulheres, mas veio sobretudo ao encontro das necessidades das mulheres, pois lhes oferecia mais espaço no âmbito religioso.

Afirmar Asherah como deusa é polêmico, mas necessário à religião e à pesquisa bíblica. Dar voz a uma época em que deuses e deusas eram adorados, em que o próprio Yahweh foi adorado ao lado de Asherah, nos impulsiona a re-pensar não só as relações pré-estabelecidas entre homens e mulheres, bem como, a própria representação do sagrado estabelecida. Re-imaginar o sagrado como deusa é re-imaginar as relações de poder, não numa tentativa de apagar a presença de Deus e sim de dar espaço ao feminino no sagrado, novamente o feminino não como um atributo do Deus masculino, mas como Deusa. Desestigmatizar, humanizar e reafirmar a existência da deusa nos dias atuais não é apenas uma forma de fazer justiça, mas de lutar em favor da libertação não só das mulheres, mas do feminino que foi subordinado tanto em homens, quanto nas mulheres ou no sagrado. Para saber mais sobre Aysherah, assista ao documentário Aysherah: A deusa proibida 

O altar e a evocação 

Além dos elementos tradicionais representando a deusa e o deus pode-se colocar uma estaca, galho de árvore ou árvore representando a deusa Aysherah. Para evocação, realiza-se a purificação do ambiente utilizando a vassoura mágica, tocando a escala cromática ascendente ou realizando uma meditação para afastar os pensamentos e as impressões do cotidiano. Realiza-se a abertura do círculo, a evocação dos guardiões dos pontos cardeais, ventos e/ou elementais. Por fim, evoca a deusa Aysherah;  o deus Yaweh (opcional) e/ou os demais deuses do panteão Cananeu como El e Baal. A deusa pode ser evocada em sua forma antropomorfizada ou no formato da árvore sagrada. Não foram encontrados elementos símbolos para Yaweh durante o período pagão. 

Outros deuses

Além de Aysherah e Yaweh destaco de acordo com o site Tessdawson (2019), o deus Yarikh e a deusa Nikkal. Yarikh é o deus da Lua, Lâmpada dos Deuses, cujo orvalho da noite fertiliza Nikkalu. Ele às vezes é retratado como “chifrudo”, simbólico do “chifre” da lua crescente. Deus dos campos, da masculinidade, da beleza e do orvalho. Nikkal é a deusa dos Pomares, ou talvez relacionada com a deusa sumeriana Ningal. O nome de Nikkalu significa “frutuosa e bonita.” Ela é a esposa de Yarikhu. Ela é a deusa da beleza, da maternidade, dos frutos e campos floridos e também está ligada à primavera. A peça mais antiga, registrada, da música mais antiga do mundo é um hino à essa deusa.

Iluma, o Panteão Cananeu.

De acordo com o site Tessdawson (2019) a palavra Iluma, vem do idioma cananeu de Ugarit que significa “deuses” e refere-se ao panteão cananeu. A iluma ou ilima puḫru (Assembleia dos Deuses) reúne-se no topo do lendário Monte Lalu, às vezes chamado Lel. Mount Tzapunu (Ṣapunu), santo monte de Ba’lu Haddu, conhecido como Monte Casius ou Jebel al-Aqra’a no Líbano. Este monte era tão importante para os cananeus na cidade de Ugarit quanto o Monte Olympus era para os gregos. 

Aṯhiratu, Athirat, Asherah

Rainha Mãe do Panteão, Co-criadora do universo. Conhecida como sábia e carinhosa, mas não deve ser menosprezada. Os povos bíblicos podem ter continuado a venerá-la durante a primeira metade da Bíblia Hebraica (primeiro testamento). Alguns acreditam que a Shekhina do judaísmo de hoje seria uma manifestação remontada desta deusa. Athiratu é a deusa da fertilidade, também chamada de Elat, que significa simplesmente ”Deusa”. Também é chamada de Aquela Que Intercede Por Seus Filhos. Também é a deusa do mar, criadora e amamentadora de todos os seres.

(Detalhe de uma caixa de marfim de minat al-Bayḍā’ perto de Ras Shamra (Ugarit).1300 AEC; no Museu do Louvre)

Iaweh 

Face anciã e guerreira do deus-pai. Embora reconhecido como tal, o atual deus dos cristãos é uma variação deste quanto a suas características. Yaweh na versão cristão ao contrário da perspectiva animista, pagã e neopagã aparece separado da natureza.

Ilu, Ilu, El

Segundo o site El é o rei do panteão, Pai dos Anos, conhecido como compassivo e benevolente. Ele nunca está irritado e não pune seus filhos imortais e/ou mortais. Considerado como estando sempre longe, ele é muitas vezes alcançável através de sua esposa Athiratu. Ilu vive no Monte Kasu e é o deus do vinho, dos sonhos proféticos, da sabedoria e é sempre representado como O Grande Touro.

El é representado no velho testamento como El-shaddai 

Baal, Ba’lu, Ba’lu Haddi, Baal Hadad: 

O Trovão, o deus das tempestades, combate as forças de Motu (Morte) e Yammu (Mar). O Épico de Ba’lu é o mais extenso pedaço de literatura que nos resta dos cananeus. Muitas vezes ele é simplesmente chamado de “Ba’lu” ou “Baal”, mas seu nome completo é “Ba’lu Haddi”. “Ba’lu” ou “Baal” são simplesmente títulos que significam “senhor” e são aplicados aos deuses masculinos mais do que apenas a este deus da tempestade.

Šapšu, Shapshu, Shapash 

Deusa do Sol, Tocha dos Deuses. Acolhedora e amorosa, associada com os cavalos e as vinhas, sempre visita o submundo de noite. Ela muitas vezes envia mensagens para Ilu, bem como para os outros deuses.

Yariḫu, Yarikhu, Yarikh: 

Deus da Lua, Lâmpada dos Deuses, cujo orvalho da noite fertiliza Nikkalu. Ele às vezes é retratado como “chifrudo”, simbólico do “chifre” da lua crescente. Deus dos campos, da masculinidade, da beleza e do orvalho.

Nikkal, Nikkalu-wa-IBBU, Nikkal-wa-Ib: 

Deusa dos Pomares, ou talvez relacionada com a deusa sumeriana Ningal. O nome de Nikkalu significa “frutuosa e bonita.” Ela é a esposa de Yarikhu. Ela é a deusa da beleza, da maternidade, dos frutos e campos floridos e também está ligada à primavera. A peça mais antiga, registrada, da música mais antiga do mundo é um hino à essa deusa.

Rašpu, Rašap, Rashap, Reshep, Reshef: 

Deus da cura, da praga ardente, e da guerra. Ele às vezes é associado com gazelas. Em placas egípcias, um compósito da deusa “semita” Qudshu, fica entre o deus Rashap da guerra e da praga e de Min, deus da fertilidade.

Kaṯiru-wa-Ḫasisu, Kotaru-wa-Ḫasīsu, Kothar-wa-Hasis, Kathir-wa-Khasis: 

Hábil e inteligente. Conhecido como o deus artesão e mago, possivelmente relacionado ou cognato à Ptah ou Thoth do Egito.

‘Anatu, Anat: 

A deusa Guerreira Adolescente, leal e amorosa, mas com um pavio curto. Apoiante da Ba’lu. É a deusa virgem e sanguinária, guerreira e liberta. Está entre as três maiores deusas do Lavant.

Aṯartu,’ Athtartu, Athtart: 

Originalmente uma deusa da justiça, do equilíbrio, dos tratados, e talvez até mesmo da caça. Possivelmente também uma deusa das estrelas. Mais tarde, ela se transformou em deusa conhecida como Astarte em grego e babilônico Ishtar. Na bíblia, ela é conhecida como “Ashtoreth” para vincular seu nome com a palavra “boseth”, que significa “vergonha.”, Ela parece ter uma natureza pacífica na mitologia cananeia. É uma deusa bem próxima de Ba’lu.

(Uma possível imagem da deusa ‘Atartu encontrada em 2016 por uma criança em Israel. Datando de 3.400 anos atrás.) 

‘Aṯtaru,’ Athtaru, Athtar: 

Deus da proteção, dos guerreiros, da juventude e dos bens pessoais. Ele também protege a irrigação dos campos e tenta substituir Ba’lu quando Ba’lu morre no conto épico de O Épico de Ba’lu.

Dagan, Dagnu: 

Deus de Grãos e pai de Ba’lu. Também conhecido como Dagon, e também está ligado ao mar, Deus-Peixe, mas é apenas uma teoria já que em Ugarítico a palavra “dgn” significa simplesmente grão.

Yammu, Yam: 

Deus do Mar, dos Rio e dos padrões climáticos, por vezes caóticos. Ba’lu, usando armas mágicas de Kathir, luta contra Yammu pela sua posição no panteão. Um dos “capangas” de Yammu é Litan, uma serpente marinha e, mais tarde conhecida como o Leviatã bíblico.

Mot, Motu: 

Deus da Morte, Morte Por Calor e da Esterilidade. Sua boca é a boca que devora na sepultura. Os cananeus não faziam oferendas à Motu.

Esta lista de divindades não é de forma exaustiva e cobre principalmente as divindades conhecidas no final da Idade do Bronze (1200 AEC, 3200 anos atrás) na cidade cananeia de Ugarit. Os próprios deuses eram conhecidos na área, tanto para antes como na idade do Bronze Médio, pelo menos, e seus cultos duraram até a idade clássica. Seus cultos estão agora sendo revividos, especialmente na religião da Natib Qadish, e nas oferendas e na adoração dos muitos outros cananeus, fenícios, cartagineses e politeístas.

Algumas referências

http://politerraneo.blogspot.com

http://politerraneo.blogspot.com/2016/09/uma-kappu-palma-da-mao-em-ugaritico.html

http://politerraneo.blogspot.com/2016/09/uma-kappu-palma-da-mao-em-ugaritico.html

Livro: O Altar Com Chifres: Redescobrir e Reacender a Magia Cananéia de Tess Dawson

http://tessdawson.blogspot.com/

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *